Sou desenvolvedor de software com mais de oito anos de experiência e, minha esposa é Mestre em Design e profissional da área de experiência do usuário (do inglês User Experience - UX). Nossa relação e o meu trabalho como desenvolvedor, fez com que a ideia de pensar a experiência acima da funcionalidade se tornasse uma referência e, uma necessidade para mim. Aplicada ao meu dia a dia, esta necessidade me fez buscar mais conhecimento e novas vivências dentro e fora da área de atuação.

Há mais de quatro anos atuo no desenvolvimento de uma plataforma de gestão de processos e documentos para empresas. Por ser uma plataforma, o cliente tem liberdade para desenvolver suas próprias rotinas e customizar os processos de acordo com suas necessidades. Essa liberdade é uma faca de dois gumes, pois de um lado estão os heavy users, normalmente profissionais de TI, que conhecem e gostam de programar e resolvem os problemas com suas próprias mãos e, do outro lado, temos os usuários de outras áreas, que acreditam que o sistema é uma caixa de mágica, em que você preenche algumas informações, a mágica acontece e o resultado aparece.

O problema reside em quando a mágica não funciona e o cliente não tem um profissional de TI para entender o porquê e, aquele processo é indispensável para o negócio dele. Segundo Norman e Nielsen, o primeiro requisito para uma boa experiência é atender as necessidades do usuário, sem confusão e sem incômodos. Eles continuam dizendo que depois vem a simplicidade e a aparência, que produzem produtos que trazem alegria em ter ou usar. Mas a verdadeira experiência vai além de dar o que os usuários dizem querer, pois muitas vezes eles nem sabem, ou acham que sabem. Uma experiência completa envolve muita pesquisa e dedicação de disciplinas plurais e múltiplas áreas da empresa, indo muito além da interface do produto ou serviço

“[..] o primeiro requisito para uma boa experiência é atender as necessidades do usuário, sem confusão e sem incômodos.” - Norman e Nielsen Como desenvolvedores, temos a tendência de imaginar que os usuários vão pensar da mesma maneira que nós pensamos durante o desenvolvimento e, por muito tempo, esse pensamento foi aplicado a plataforma, criando milhares de possibilidades de personalização por meio de programação, chegando ao ponto de criarmos um ambiente de desenvolvimento próprio. Infelizmente, pouco se pensou na mágica que a maioria dos clientes e usuários esperam e precisam e, a necessidade de reposicionamento de produto se torna mais latente nos últimos anos. Atualmente, estamos evoluindo para um produto SaaS, que nos leva a necessidade de evoluir também o time para desenvolver uma visão ampla de experiência e de como a aplicação desses conhecimentos irão impactar no futuro da plataforma e da companhia como um todo.

Desenvolver soluções por meio da experiência do usuário, para uma plataforma em que há tamanha variedade de formações e conhecimentos, tem que ser vista com muita seriedade e todos devem se sentir responsáveis pelo cliente e, por isso, destaco três pontos principais no desenvolvimento da cultura de UX.

  1. Experiência do usuário depende de conhecer o cliente Conhecer e entender o cliente deve fazer parte da rotina de todo time de desenvolvimento. Na experiência que tive durante pouco mais de um ano atuando no time de suporte, pude ter uma visão ampla das necessidade e dificuldades que nossos clientes têm com o uso da plataforma no dia a dia, e como o usuário se sente quando a mágica insiste em não acontecer. Muitas pessoas ainda consideram o atendimento ao cliente como uma atividade secundária, pois elas não entendem que, além do produto, o suporte também é uma interface de interação com o cliente que oferece informações preciosas para entender os problemas e gargalos que o desenvolvimento entregou para os clientes. Sejam falhas no desenvolvimento ou na interface, cada novo atendimento significa um momento em que a mágica não aconteceu e, da mesma forma, é uma oportunidade de repensar e fazer melhor na próxima entrega.

  2. Experiência do usuário engloba todo o negócio UX engloba muito mais que um time específico, deve ser uma preocupação de toda a companhia, pois engloba todo o negócio. Um dos conceitos da área é pensar a jornada do usuário, e muitas vezes nos limitamos a acreditar que essa jornada começa quando ele faz login na plataforma. Se levarmos esta análise mais a fundo, com uma visão holística, podemos entender que existe uma jornada que inicia na decisão de compra, passa pela implantação, personalização, treinamento e, que resulta no uso diário da plataforma. Tais jornadas precisam se conversar e ter consistência entre si, pois a mágica não deve acontecer só no ambiente de demonstração do vendedor, mas em cada uma das atividades diárias do usuário, com diretrizes definidas e conhecidas por todos os níveis da companhia.

  3. Experiência do usuário é responsabilidade de todos Mesmo quando a experiência é entendida de forma global, essa preocupação deve ser refletida a cada nova linha de código e, para tanto, o time deve estar alinhado em perseguir esse ideal e ter conhecimentos para tal. É comum vermos desenvolvedores que pouco se importam em pensar em como usuário irá usar a nova funcionalidade ou, que não se interessam em entender os princípios que levam os usuários a tomar determinadas ações. Dentro de times de alto desempenho é indispensável que existam especialistas em múltiplas áreas, mas o cuidado com a experiência do usuário deve ser matéria de estudo de todos, pois ela vai além do protótipo ou da interface desenvolvida pelo designer e implementada pelo frontend.

Uma das principais características da economia de serviços é que a barreira de saída dos clientes é cada vez menor, pois o custo de migração para uma nova plataforma reduz a cada dia. Desta forma, UX não deve ser visto como uma etapa de um processo, mas sim como uma cultura, que precisa ser entendida e praticada por todos os níveis e áreas de empresas que desejam continuar competitivas, no atual cenário econômico e de concorrência de mercado. Hoje, vejo que o nosso principal desafio é justamente desenvolver essa cultura e compartilhar a responsabilidade, pois quando todo o time entende os conceitos, soluções inovadoras surgem a cada problema que o time encontra, gerando retorno no investimento. Felizmente, estamos neste caminho.