Vai uma transformação ágil aí?
Se você é da área de tecnologia, com certeza já deve ter ouvido frases como: precisamos levantar os riscos do projeto, ou ainda, quando vai ficar pronto? Ou quem sabe, nosso time depende do outro para entregar o projeto, por isso está impedido, a outra squad atrasou!
Se falas como essas são comuns no seu dia a dia, meu amigo… você está em uma organização orientada a projetos. Mas isso é ruim? Não necessariamente, existem várias grandes companhias por aí que trabalham dessa forma, e tem muitos bons resultados.
A pegadinha está em quando uma companhia orientada a projeto resolve fazer a tão falada transformação digital ou ágil. É só dar uma olhada no LinkedIn e você vai achar centenas de pessoas dizendo que a transformação ágil não funcionou, ou que “o ágil isso” (sim, um adjetivo virou substantivo!), o ágil aquilo… mas quando paramos 5 minutos para entender o contexto, rapidamente percebemos uma cronologia que se repete em vários lugares.
O projeto de transformação ágil
O enredo é mais ou menos esse: alguém descobriu a agilidade e vendeu para a diretoria como “a nova forma de fazer as coisas”. Um alguém recebe a missão de ser o “transformador” e cria um plano detalhado com várias fases e um Gantt (juro, nada contra) magnífico para gestão do “projeto de transformação ágil da empresa”.
As pessoas são informadas que o jeito de trabalho delas não é mais o padrão da organização, e a partir de agora, “temos que usar o ágil”. Algumas pessoas se tornaram Scrum Master e são treinadas por um instrutor duvidoso (mas segundo o alguém é uma referência no mercado) em um treinamento de um dia.
Os times viram squads e são misturados seguindo uma matriz de gestão que ninguém entende. Ninguém mais é chefe de ninguém. As agendas ficam lotadas de reuniões recorrentes. Não se pode mais falar em horas, agora são pontos (que no final do dia são convertidos em horas, porque a gestão não sabe lidar com incerteza).
O time passa a ter várias outras responsabilidades, mas continua pequeno porque existe uma tal regra de duas pizzas, que ninguém nunca viu funcionando, já que as pizzas nunca apareceram. Não se olha mais para o todo das entregas da empresa, apenas para o backlog de cada time.
O projeto é declarado um sucesso. As reuniões de evolução do time acontecem como devem acontecer, todos estão fazendo as tarefas, jogando planning poker, medindo a velocidade e controlando o burn-down, mas no final do dia a diretoria não entende por que a produtividade não cresceu, afinal ”o alguém” prometeu o dobro do trabalho na metade do tempo.
Depois de algum tempo as pessoas começam a perceber que a qualidade de vida do time vem caindo. Horas extras são adicionadas para cumprir a sprint. Ninguém consegue entregar nada por conta das dependências… a vida virou um inferno (para a maioria). As principais referências do time começam a pedir demissão. As pessoas olham para outros cases de sucesso e se perguntam: copiamos o modelo de lá, como lá funciona e aqui não? Eles devem ter os mesmos problemas, mas não mostram… e por aí vai.
Mas caro amigo, existe uma diferença bastante grande entre empresas referência em agilidade no mercado e empresas que chegam à conclusão de que “o Ágil” (agora com a maiúsculo) não funciona. Elas são focadas em produtos, não em projetos.
Transformar a forma de pensar
Empresas de produto se organizam diferente? Sim, e algumas até chamam os times de squad. Mas todas vão além disso, elas criam times multifuncionais, com autonomia, responsabilidade e maturidade para tomar decisões e entregar objetivos de negócio.
Empresas de produto se organizam ao redor de uma visão inspiradora, que faz toda a organização se mover na velocidade que a pretensão dessa visão precisa. Traçam objetivos e usam as métricas certas, para corrigir o rumo da corporação e do produto. Se importam mais com o cliente do que com a conclusão de uma iniciativa interna. Tratam de dependências não como problemas (ou no jargão “do Ágil”, impedimentos) mas, como subprodutos com roadmaps e objetivos próprios e claros que podem ser consultados e, que são discutidos de forma transparente entre todos os envolvidos.
Organizações de produto abraçam os princípios do manifesto ágil, não defendem uma metodologia de trabalho, entendem que o contexto dos times muda muito e, que não há sentido na padronização de quadros ou de tipos de tarefas.
No final do dia, empresas de produto tratam suas transformações não como um plano detalhado de um empreendimento a ser realizado (uma das definições de projeto, segundo o dicionário), mas como um processo natural de evolução, de busca constante pela excelência e pela realização de uma visão inspiradora que vai muito além do produto em si.
Empresas de produto são uma utopia?
Muitas pessoas dizem que a teoria pregada por Marty Cagan é uma utopia, que no dia a dia as coisas são diferentes e, concordo com essa afirmação, já que em seus livros Cagan e outros se referem à empresas focadas em produto, ou a companhias que ousaram transformar uma cultura orientada a projetos em uma cultura orientada a produto. A maioria das companhias que ainda estão tentando se transformar, estão a quilômetros de distância deste patamar, a ponto de essa realidade parecer uma utopia, algo inatingível.
Sua empresa está pronta para essa transformação? As pessoas que estão à frente dela querem realmente mudar a cultura, a forma de pensar, fazer, trabalhar e viver, ou apenas querem seguir a modinha para poder dizer que também usam o Ágil? A gestão está preparada para abrir mão da autoridade, dos privilégios, dos bônus (e talvez até do emprego) em função de times autogerenciáveis?
Peter Drucker diz que: “não há nada mais inútil do que fazer com grande eficiência algo que não deveria ser feito”. Pense nisso na próxima vez que alguém disser que, aquele projeto de transformação, irá fazer sua empresa entregar o dobro na metade do tempo. Talvez investir em pizzas para o time, gere mais resultado do que uma transformação mal feita.
E você? Já passou por alguma transformação? Como foi? Conta para mim!